quinta-feira, 13 de outubro de 2011

EUA boicotaram o programa espacial do Brasil nos anos 90


« Online: 09 de Outubro de 2011, 11:45 »


Telegramas sigilosos divulgados pela Folha revelam pressão americana sobre projeto brasileiro de foguetes
Ações dos EUA, como proibição de venda de tecnologia espacial ao Brasil, atrasaram projetos do país na área

Telegramas confidenciais do Itamaraty revelam que os EUA promoveram embargo e "abortaram" a venda, por outros países, de tecnologia considerada essencial para o programa espacial brasileiro na década de 1990.
Em um dos telegramas, o Itamaraty associou a ação norte-americana a um atraso de quatro anos na produção e lançamento de satélites.
O projeto Folha Transparência divulga em seu site a partir de hoje 101 telegramas confidenciais inéditos da diplomacia brasileira, que tratam dos programas brasileiros espacial e nuclear.
A pressão norte-americana sobre o projeto espacial já foi ressaltada por especialistas brasileiros ao longo dos anos, e um telegrama do Wikileaks divulgado em 2010 indica que ela ainda ocorria em 2009. Os documentos agora liberados permitem compreender a origem e o alcance do embargo, assim como a enérgica reação do Brasil.
Em despacho telegráfico de agosto de 1990, o Itamaraty afirmou que a ação norte-americana começara três anos antes, por meio de "embargos de venda de materiais", impostas pelos países signatários do RCTM (Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis) -um esforço voluntário entre países, de 1987, para coibir o uso de artefatos nucleares em mísseis.
O Itamaraty incluiu o bloqueio dos EUA como um dos motivos para o atraso na entrega do VLS (Veículo Lançador de Satélites), que deveria estar pronto em 1989. O primeiro teste de voo foi em 1997.
Além do VLS, o programa espacial previa a construção de quatro satélites, dois para coleta de dados e dois para sensoriamento remoto.
O Brasil só aderiu ao acordo em 1995. Os telegramas revelam que, um ano depois, o diretor do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) da Aeronáutica, Reginaldo dos Santos, atual reitor do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), informou ao Itamaraty que os EUA negaram o pedido para importar transmissores para uso em foguetes brasileiros.
O Itamaraty orientou seu embaixador em Washington, Paulo Tarso Flecha de Lima, a manifestar "estranheza e preocupação" ao governo dos EUA. A medida dos EUA só foi revista meses depois.
José Israel Vargas, ministro da Ciência e Tecnologia entre 1992 e 1998, confirmou à Folha as gestões dos EUA para prejudicar o programa espacial brasileiro.
"Houve sim pressão americana para qualquer desenvolvimento de foguetes, contra nós e todo mundo [que o fizesse]." Segundo ele, países avançados na área, que ajudavam outros a criar seus programas espaciais, como a França fez com o Brasil, também eram pressionados.
A Embaixada dos EUA em Brasília, quando procurada em agosto pela Folha, não comentou os telegramas do Itamaraty, mas elogiou a divulgação dos documentos.

Pressão dos EUA minou parceria com Índia e Rússia

O governo dos EUA expressou ao Brasil "continuada preocupação" sobre tratativas do país com a Índia na área nuclear e reclamou de negociações da empresa estatal brasileira de armamentos com a Rússia.
No caso da Índia, as pressões americanas ocorreram em 1997, dando origem a reuniões em Brasília.
A preocupação dos EUA foi oficializada por meio de documento entregue ao Itamaraty pelo embaixador norte-americano Melvin Levitsky. A cooperação técnica Brasil-Índia na área nuclear não avançou.
Quatro anos antes, os EUA haviam sido incisivos sobre uma tratativa da estatal Imbel (Indústria de Material Bélico do Brasil) com a Rússia, na área de mísseis.
Mark Lore, ministro-conselheiro da Embaixada dos EUA em Brasília, disse ao Itamaraty que a parceria poderia provocar "desequilíbrio regional".

Fonte: Folha de S. Paulo - RUBENS VALENTE  - JOÃO CARLOS MAGALHÃES  - FERNANDA ODILLA 

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